segunda-feira, 15 de outubro de 2012


Quando o Verbo  é o Princípio






Após a leitura de O Grande Massacre dos Gatos, na fase adulta, meu olhar sobre fábulas e contos infantis nunca mais foi o mesmo. O pouco da inocência que existia neste adulto se perdeu. Darton elucida a origem dos contos de fadas: apropriação pela elite, de estórias sem poesia, romance, e lirismo que eram contadas pelos camponeses medievais aos seus filhos. Um choque que não me impediu de ler Chapeuzinho Vermelho para a minha sobrinha, que espero leia sozinha “O Eco da Girafa”. Esta obra associa o lirismo que a aristocracia europeia imprimiu a elaboração dos contos de fadas ao realismo fantástico das estórias dos camponeses medievais. Mas este não é o único mérito desta obra literária paradoxal e dicotômica. O primeiro paradoxo é a magia estar na tomada de consciência da razão.
Zarafat é uma heroína bela, sem espelho, inatingível – pelos predadores naturais – e mágica. Mágica como girafa, e cada vez mais sem poesia e magia no processo de humanização. Mas este processo imprime a esta personagem a capacidade de se comunicar com as nossas crianças e jovens, porque o advento da fala a torna humana, e consequentemente sujeita a emoções, como a saudade. Falar de sentimentos e emoções é fundamental numa sociedade onde a escola não se preocupa com esses “detalhes”. Lidar com os sentimentos faz parte do processo de evolução humana. Mas nascemos humanos e partem do pressuposto que a relação com as emoções está pré-estabelecida. Um erro sem tamanho...
O Eco é um manifesto que exige o respeito à diferença nas relações humanas e tem uma crítica à sociedade de consumo e ao mundo do trabalho. Nossa protagonista assemelha-se aos personagens buarquianos, de Os Saltimbancos, que partem em uma jornada em direção à cidade, e que ao final desta, têm contato com a sociedade humana e todas as suas idiossincrasias e desigualdades sociais. O autor tem a competência de construir uma fábula contemporânea que não tem apenas um ensinamento de caráter moral, mas vários. Toda a obra é rica de “não ditos”, como diria Certeau. E cada nova leitura nos apresenta uma novidade em termos de mensagem subliminar, intencional ou não. É uma obra para todas as idades que merece uma adaptação para o teatro.