Quando o Verbo é o Princípio
Após a
leitura de O Grande Massacre dos Gatos,
na fase adulta, meu olhar sobre fábulas e contos infantis nunca mais foi o
mesmo. O pouco da inocência que existia neste adulto se perdeu. Darton elucida
a origem dos contos de fadas: apropriação pela elite, de estórias sem poesia,
romance, e lirismo que eram contadas pelos camponeses medievais aos seus filhos.
Um choque que não me impediu de ler Chapeuzinho Vermelho para a minha sobrinha,
que espero leia sozinha “O Eco da Girafa”. Esta obra associa o lirismo que a
aristocracia europeia imprimiu a elaboração dos contos de fadas ao realismo
fantástico das estórias dos camponeses medievais. Mas este não é o único mérito
desta obra literária paradoxal e dicotômica. O primeiro paradoxo é a magia
estar na tomada de consciência da razão.
Zarafat é
uma heroína bela, sem espelho, inatingível – pelos predadores naturais – e
mágica. Mágica como girafa, e cada vez mais sem poesia e magia no processo de
humanização. Mas este processo imprime a esta personagem a capacidade de se
comunicar com as nossas crianças e jovens, porque o advento da fala a torna
humana, e consequentemente sujeita a emoções, como a saudade. Falar de
sentimentos e emoções é fundamental numa sociedade onde a escola não se
preocupa com esses “detalhes”. Lidar com os sentimentos faz parte do processo de
evolução humana. Mas nascemos humanos e partem do pressuposto que a relação com
as emoções está pré-estabelecida. Um erro sem tamanho...
O Eco é um manifesto que exige o
respeito à diferença nas relações humanas e tem uma crítica à sociedade de
consumo e ao mundo do trabalho. Nossa protagonista assemelha-se aos personagens
buarquianos, de Os Saltimbancos, que
partem em uma jornada em direção à cidade, e que ao final desta, têm contato
com a sociedade humana e todas as suas idiossincrasias e desigualdades sociais.
O autor tem a competência de construir uma fábula contemporânea que não tem apenas
um ensinamento de caráter moral, mas vários. Toda a obra é rica de “não ditos”,
como diria Certeau. E cada nova leitura nos apresenta uma novidade em termos de
mensagem subliminar, intencional ou não. É uma obra para todas as idades que
merece uma adaptação para o teatro.