sábado, 24 de novembro de 2012


Agora o Samba é Pop



Foto: Adenilson Machado


Esta entrevista tem o intuito de resgatar a memória recente do samba para tentarmos perceber a influência desta linguagem musical e estética, sobre a sociedade brasileira e, sobretudo, carioca.
Nossa entrevistada, Arly Marques é irmã de Arlindo Cruz e Acyr Marques, “comadre” de Zeca Pagodinho, Márcia Black e Marília, neta de Carlos Cachaça.

Fernando Saúde – Bom Arly! Você é uma espectadora privilegiada do mundo do samba carioca, e as transformações que este sofreu nos últimos 30 anos. Dentro deste contexto, você poderia nos dizer como era o movimento do samba nas décadas de 70 e 80 do século XX?

Arly Marques – Nessa época agente curtia assim...  O samba em geral, agente levava mais como brincadeira. Primeiro porque nós éramos bem mais novos e tudo... Então agente estava sempre se reunindo, sempre tinha uma reunião. E assim foi criada uma amizade. Agente tem vários amigos, conheci várias pessoas, muitas meninas, rapazes, chefes de família. Mas agente estava sempre junto. Fazendo nossas rodinhas de samba, participando dos pagodes, que agente ia muito... E agente ia mais pelo divertimento mesmo. Era diversão.

Fernando – Então era uma questão mais lúdica que profissional? Até porque eu acho que profissionalmente o mercado não absorvia.

Arly – Não. Quem vivia nesse mundo do samba tinha muita dificuldade nessa época, senão fossem os grandes nomes que já existiam, como Paulinho da Viola e outros, tinham muita dificuldade pra chegar junto no mercado. Era muito difícil.

Fernando - Como você vê a explosão do Arlindo Cruz, seu irmão, na última década? É um fato isolado ou faz parte de um movimento maior?

Arly – Eu sou até meio suspeita, mas eu acho que o fato do Arlindo, é um fato meio isolado, porque à medida que ele vem trabalhando, lutando, que ele vem sempre querendo muito. Porque ele sempre quis muito, ele sempre insistiu muito. Teve épocas de fazer show com casa vazia, ou só para o garçom, ou ainda para uma pessoa. Ele sempre insistiu. Acho que o caso dele é isolado porque ele sempre quis e persistiu. Até hoje ele corre muito atrás disso: dos sonhos. São sonhos que estão se realizando ao longo de muitos anos. Tem gente que até começa, passa um ano, passam dois, passam dez e desiste. Ele já está com trinta anos de carreira e hoje o público sabe quem é Arlindo, mas há dez, oito anos atrás, tem gente que não tinha nem ideia de quem era Arlindo.

ArLy Marques e Armando Gamboa
Foto: Rafael Silva



Fernando – Neste sentido agente pode considerá-lo como um dos precursores do movimento de revitalização e de revalorização do samba na década de 90? Porque a partir dele surgiu um monte de gente.  Na esteira do sucesso dele e de Zeca Pagodinho, aí é que vem uma galera. Apesar de já estar no mercado desde a década de 80, ele não tinha este espaço, ou seja, neste momento eu percebo que tinham poucos artistas que tinham projeção como Beth Carvalho, Fundo de Quintal – grupo que Arlindo integrava – Bezerra da Silva, Alcione, João Nogueira e Martinho da Vila. Era um grupo restrito que tinha um espaço muito demarcado. A partir da década 90 isso muda. É neste momento que o Arlindo surge com projeção no mercado fonográfico.

Arly - Com certeza! Até porque ele tem um ímpeto de facilitar, ele ama Zeca Pagodinho, Sombrinha. Não dizer, no geral, que ele tenha os preferidos, mas ele tem as pessoas com as quais trabalha sempre e está acostumado. Independente disso têm os laços de família que participam e estão mais próximos, e tem a rapaziada que vai chegando... Porque ele procura atender a todo mundo, ele procura atender a pessoas que mostram um bom trabalho. Porque às vezes o cara é um bom compositor, a pessoa chega com o trabalho, não tem a oportunidade de mostrar. Ou manda pra alguém que guarda na gaveta. Ele tem essa disponibilidade, até porque pra ele é... Quer dizer, ele está também absorvendo coisas diferentes. E muita gente se espelha no Arlindo. O cara quer tocar o banjo porque o Arlindo toca, acha legal o som do banjo, porque o Arlindo manda bem. Aí tem aquele incentivo de fazer igual ou parecido. E ele também lida muito com gente jovem, esses grupos novos que aparecem, e ele também tem um filho jovem envolvido com música.

Fernando – Ele inclusive vai gravar um samba do Mário Lago em parceria com o Arlindo e o Acyr.

Arly – Então essas coisas ficam bem marcadas. E ele é bem povão. Tem o Zeca (Pagodinho) que é um cara maravilhoso, mas já não tem mais aquela paciência... Se fecha mais um pouco. Ele até reclama com o Arlindo “Pô você canta pra caramba, fala com todo mundo... Eu não aguento mais isso”. Mas é que a pessoa está sufocada né. E o Arlindo tem essa paciência ele sempre foi muito tranquilo, O Zeca sempre foi muito elétrico, ele nunca para em lugar nenhum, você pensa que ele está aqui, ele já fugiu, deu a volta...

Fernando – Como no seu aniversário, que quando eu cheguei e ele não estava mais presente.

Arly – No casamento do Arlindo também. Quando nós saímos da igreja no cortejo, quando eu pisquei o Zeca já tinha sumido e ele era o meu par... Essas coisas assim. Então o Arlindo é um cara mais tranquilo.

Fernando – Hoje se fala muito desse movimento de revitalização ou revalorização do samba a partir da segunda metade da década de 90. Na sua avaliação, este movimento é real? E se o for, quais são os desdobramentos para os artistas e para o público?

Arly – Eu acho que ele é real sim. O que acontece, o samba sofreu muita discriminação, era muito marginalizado. Até as casas que hoje recebem os artistas de samba. Antigamente você cantava samba no botequim, cantava na escola de samba, na quadra da escola de samba. Hoje não. Hoje tem os “Halls” da vida até. Hoje você vê as pessoas que vão e não tem mais aquele medo. Havia muita marginalização, mas hoje outras classes estão se infiltrando. Temos amigos engenheiros, médicos, inclusive os meus médicos foram no show do Arlindo e todos acharam maravilhoso. “Poxa eu conhecia a música, mas não conhecia o cara, pô o cara é simples, é humilde.” Então é assim. Muito legal.

Fernando – Então foi muito positivo tanto para os artistas quanto para o público.

Arly  – Com certeza.

Fernando – Quer dizer... Você tem primeiro o surgimento de novos artistas, além, é claro, do aumento de publicidade de artistas que já estavam no mercado, como o Arlindo. E também o público, quer dizer, se antes era direcionando para um público específico, que era o negro da periferia. De repente agente vê esse público tornando-se mais diversificado, sendo integrado também por moradores da zona sul. Você acredita que o samba tem mais espaço no mercado fonográfico e na mídia em geral, hoje em dia?

Arly – Tem. Teve uma época que o samba esteve bem fraquinho, em termos de mercado. Mas agora ele está vindo com tudo. E tem coisas boas que não se pode negar. Tem muita gente que está aí na mídia, pessoas que estão chegando, saindo de alguns grupos como o Péricles.

Fernando - Hoje é o Dia Nacional da Consciência Negra, qual o papel do samba para a população de periferia – formada majoritariamente por negros -, e sua afirmação de cultura etnicamente marcada? Qual o papel do samba neste novo contexto das nossas relações, no debate étnico racial no Brasil?

Arly – Eu creio que o samba tá bem posicionado. Tá bem defendido, com novas parcerias com o funk, com o Marcelo (De Dois), com o Rogê com a bossa nova. Então o público gosta de samba, eles cantam. No baile funk ele canta os sambas da favela, faz show com Mister Catra. Muitos shows que agente fez com ele e a população gosta muito, aplaude. Eu acho que tem também um pouco do carisma da pessoa, a essência. Hoje existem pessoas que já dão certa importância, já vêm participar da festa de Zumbi. Comunicam-se, colocam no face outras formas de comunicação. Já estão valorizando realmente esta data.

Fernando – Você citou um fato que eu acho muito interessante sobre o trabalho do Arlindo, que é a ligação dele com outros ritmos, ele não está naquela coisa única do samba. Mas ele está articulado com cantores que produzem bossa nova, que produzem funk. Isto também é um diferencial no trabalho dele, porque dá uma diversificada. Ele faz o samba tradicional, de raiz, mas está o tempo todo articulado, linkado com artistas de outros estilos musicais. Eu acho que isso acaba enriquecendo o trabalho dele e popularizando mais, porque ele extrapola o universo do samba pra ser ouvido pelo público que gosta de funk, que gosta de bossa nova.

Arly – Inclusive esse último CD e DVD são chamados “Batuques do meu Lugar”, ele começa com batuques de várias regiões, aparecem os orixás, o maracatu. Ele canta com Alcione, logicamente com o Zeca, canta com Caetano Veloso. Foi uma loucura o Terreirão. Ele canta com Rogê, Seu Jorge. Ele passeia por outros ritmos, até porque ele tem um filho adolescente, que tá com ele, que gosta de MPB, tem os amigos do filho. Tá tudo nessa evolução e não deixa de ser um aprendizado, coisas novas né, enriquecendo. Ele diz que sendo bom ele tá dentro.

Fernando – Bom vamos encerrar esta entrevista agradecendo a você por nos receber na sua casa neste feriado. Pra mim, conversar com você é sempre um prazer enorme,  e foi um prazer revê-la.