quarta-feira, 19 de dezembro de 2012


PAC 2 Batan – A Missão


Foto: Armando Gamboa

Em 14 de dezembro de 2010, o governador do estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, anunciou um investimento de R$ 80.000.000,00 do PAC 2 no Batan. Esta verba seria destinada para obras nas áreas de habitação, esgoto sanitário, pavimentação, além de um ginásio poliesportivo. As obras seriam no ano seguinte (2011). Passaram-se dois anos e não tínhamos nenhuma informação sobre por onde andava o projeto, e menos ainda, se a verba já foi ou seria liberada. E se liberada, se seria realmente investida no Batan.
Esta questão foi abordada em algumas reuniões comunitárias, que eram promovidas mensalmente na sede da Unidade de Polícia Pacificadora. Hoje as reuniões são alternadas entre o Batan e o Fumacê. Nestas reuniões comparecem algumas autoridades ou representantes da esfera municipal e estadual. Que nunca apresentaram uma resposta satisfatória quando indagados sobre este tema.
Em minhas pesquisas descobri que no dia 24/10/11, foi homologada a licitação TP Nº 079/2011, que fixou o custo de R$ 737.431,00. Esta seria para melhorias urbanas e habitacionais (PAC 2) na COMUNIDADE JARDIM BATAN, localizada na Praça José Mauro de Vasconcelos – Realengo. A empresa vencedora da licitação foi a construtora Lopes Santos & Ferreira Gomes Arquitetos Ltda.
Esta obra não foi iniciada, e representa menos de 10% do que o governo do estado prometeu investir, no território pacificado, que agora foi ampliado. Até hoje esta obra não aconteceu. Por que será? Onde foram parar os R$ 737.431,00 destinados à benfeitoria? Infelizmente não temos respostas, no máximo especulações. na verdade, não existe sequer uma placa que identifique o local da foto como a tal praça.
Acredito que quando fez esta promessa, sem correr riscos de parecer leviano, o governador deveria ter garantias oficiais, da aprovação do projeto pelo governo federal. Penso que o projeto tem que ser apresentado à comunidade, para que os moradores possam, coletivamente, avaliar se este atende às suas necessidades.  Este anúncio foi feito na inauguração da única creche pública da comunidade que atende a 200 crianças de 4 meses a 4 anos. Infelizmente, o Espaço de Educação Infantil Batan não tem como atender todas as crianças, que estão nesta faixa etária e que têm a mãe “trabalhando fora”, e até agora o PAC no Batan não passa de uma expectativa. Esta é uma das diferenças do Batan em relação a outras comunidades pacificadas. Na mesma fonte onde encontrei informações públicas sobre esta licitação, estava repleta de obras aprovadas em comunidades que na época sequer eram pacificadas. Não bastassem as diferenças sociais entre a “favela” e o “asfalto”, identificamos uma hierarquização, nos serviços oferecidos pelas diferentes esferas governamentais, entre as comunidades pacificadas. A prefeitura, por exemplo, publicisa em um site, projetos que nunca foram implantados na região, propaganda enganosa.
A zona oeste continua sendo um curral eleitoral, que produz muitos votos e recebe pouco investimento em projetos sociais e obras de infraestrutura. Até quando assistiremos a tudo isso de braços cruzados e em silêncio? Precisamos dar um basta e fazer valer nossos direitos. Que, aliás, pelo que me consta, não está restrito constitucionalmente, ao direito de votar.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012


Política Habitacional e Meio Ambiente


Projeção

O Rio de Janeiro entrou no século XX às voltas com sérios problemas sociais. A crise de moradia agravada nas freguesias do centro, com a proliferação de cortiços e casas de cômodos, superlotados e insalubres, aliada aos deficientes serviços de saneamento básico, eram determinantes para a erupção de violentas epidemias de febre amarela, varíola, cólera-morbo e outras moléstias que faziam milhares de vítimas, elevando incrivelmente a taxa de mortalidade nos anos em que eclodiam.
 A essa altura as elites já haviam chegado a um consenso no seu diagnóstico acerca da cidade: a solução para os sérios problemas do Rio estaria assegurada pelo tripé saneamento / abertura de ruas / embelezamento. Era preciso sanear a cidade, alargar ruas, arejar, ventilar e iluminar melhor os prédios, implantar um modelo construtivo mais digno de uma cidade-capital, o que pressupunha demolir as habitações que não obedecessem a esses padrões de salubridade, e não saneá-las. Era a oportunidade que o poder público, na figura do prefeito Pereira Passos, tinha para expulsar os pobres do Centro da capital federal. Acredito que estes são os primeiros “sem-teto” que “a modernização” e o saneamento da cidade geram. São esses pobres desalojados que vão morar na “favela” no Morro da Providência onde já moravam os soldados do Coronel Moreira César e do General Artur Oscar que vieram da Guerra de Canudos, em 1897. Este período, que vai de 1903 a 1906, é conhecido popularmente como bota abaixo. Neste sentido, “As favelas surgiram como moradas possíveis de homens e mulheres pobres em uma ordem socioeconômica que se impôs ao processo de produção do espaço urbano carioca” (Barbosa, pg. 34).
Durante as décadas de 60 e 70 houve um processo de remoção de cerca de 140 mil pessoas residentes em favelas, sobretudo nas da zona sul da cidade. Neste contexto surgem conjuntos habitacionais na Cidade de Deus, Vila Kennedy e Vila Aliança (na Zona Oeste) e Vila Esperança (Zona Norte). “Tal processo autoritário e violento imposto às famílias residentes nas favelas, jamais escondeu o seu sentido de ‘limpeza’da paisagem e, sobretudo, o de apropriação por parte do mercado imobiliário de terrenos localizados em áreas valorizadas da cidade” (Barbosa, pg. 35). Parace-me que nessas décadas, mais uma vez houve política governamental de expulsar as “populações perigosas” das regiões valorizadas da cidade.
A partir da década de 90 é incorporado e fortalecido o discurso em defesa de preservação do meio ambiente. De preferência as áreas preservadas no Centro e Zona Sul. A Floresta da Tijuca torna-se a maior floresta em área urbana, como se o Parque Estadual da Pedra Branca, que tem maiores dimensões, não estivesse localizado no perímetro urbano.
E assim chagamos ao século XXI com esta seleção arbitrária, que tem o reforço da organização de grandes eventos na cidade como Copa do Mundo de 2014 e os jogos Olímpicos de 2016. Mais uma vez, assim como no início de século XX a cidade tranforma-se em grande canteiro de obras. Mais uma vez as áreas que recebem essas obras estão concentradas no Centro e Zona Sul, à exceção da Barra da Tijuca, que apesar de pertencer á Zona Oeste, virou a queridinha da especulação imobiliária e dos investimentos da prefeitura. “ A discriminação tem um sentido explícito dos lugares diferenciados da cidade e, evidentemente, da imagem que os simboliza” (Barbosa pg. 37).
As práticas da prefeitura na política pouco mudaram nesses últimos 100 anos. A novidade são os argumentos. Hoje expulsa-se os favelados das regiões mais valorizadas da cidade em “defesa” do meio ambiente. É o que vem acontecendo com os moradores do Pico do Santa Marta, da região em torno do Jardim Botânico e horto, e na Vila Autódromo.
Com relação ao Santa Marta o que o Estado está utilizando para retirar aproximadamente 150 moradores daquele lugar é a afirmação de que: vivem em uma área de risco. Por isso necessariamente tem que sair dali. No entanto, os moradores contra-argumentam dizendo que: pelos critérios apresentados pelo técnico da GEORio que esteve na favela no início de julho, “todo Santa Marta é uma área de risco”. Então, se o perigo vem do alto do morro, ameaça a todos que estão abaixo, logo, algo terá que ser feito para evitar possíveis catástrofes. De uma forma ou de outra, o trabalho de contenção naquele local será feito.
No Jardim Botânico e no Horto a questão está relacionada à delimitação da área que pertencente ao parque. Serão removidas 621 residências, que teoricamente, teriam invadido os limites do parque, ainda na década de 80. E na Vila Autódromo o argumento é de que a área está localizada numa região que passará uma via que está sendo construída para adequação da cidade para receber os grandes eventos acima citados.
Até aí nada de novo, não fosse o interesse da prefeitura em construir um resort e um campo de golf no Parque Municipal da Prainha. Os ricos podem prejudicar o meio ambiente para construir habitações, enquanto os pobres são obrigados a deixar as suas casas em nome da preservação ambiental. Quando interessa defender o meio ambiente? Onde estão e qual o posicionamento de órgãos públicos como o Inea e o Ibama, com relação a esta proposta? Podemos destruir áreas de preservação ambiental, desde que atenda aos interesses das grandes construtoras, e dê lucro sabe-se lá pra quem mais? A sociedade civil precisa se posicionar a respeito desta arbitrariedade.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012


Egotrip Urbana  

Início das obras do Conjunto Industrial da Vila Aliança Bangu
             Eles são dois mundos em um. Juntos e dissociados. Prazer e dor, desespero e fé, conhecimento e ignorância, amor e ódio, diferenças e igualdades, trabalho e lazer, engajamento e alienação, meio ambiente e homem, matéria e espírito. Paradoxais e complementares, tendo a coexistência como pressuposto. Esta, infelizmente, nem sempre harmônica. Minha cidade e eu.
Ela linda e partida pelas desigualdades sociais flagrantes e evidentes. Cosmopolita e provinciana. Apaixonante, encantadora, boêmia. Reflexo de um mundo de relações que durante toda a vida tentei desvendar, compreender, sobreviver. Nela circulo por todos os cantos, centro e periferia, zona norte e zona sul, e, o mais importante, onde estão minhas origens: zona oeste. Cada canto tem seu encanto, sua particularidade, seus atrativos. Alguns cantos têm mais encantos, outros desencantos. A divisão arbitrária das riquezas aparta, assim como os acidentes geográficos, as regiões. Enquanto a riqueza material se concentra no centro e zona sul, a cultural está diluída na periferia. É claro que me refiro à cultura popular. Pois a erudita, acadêmica, clássica, está concentrada onde se encontra o poder político e econômico. Sou fruto da síntese da relação entre estas partes e peculiaridades desta cidade maravilhosa, parcela do todo. Esta é parcela do meu mundo que melhor conheço e me relaciono.
Eu, homem do meu tempo, a parte do meu mundo que pouco tempo tive para conhecer. Que hoje, aos 37, engatinho entre sentimentos, emoções e comportamentos. A vida difícil e dura privilegiou o desenvolvimento racional em detrimento ao emocional. Necessidades práticas, imediatas e pragmáticas conduziram-me pela busca ao conhecimento como meio de sobrevivência e ascensão social neste mundo cão, das relações humanas. Só não sabia que a opção por desvendar o mundo exterior, abrindo mão de um contato mais estreito com o indivíduo que sou, tinha um preço: o equilíbrio emocional e consequentemente a sanidade. Hoje entendo a importância de valorizar o autoconhecimento como meio de perpetuar uma relação equilibrada com o mundo exterior. Tornei-me homem, intelectual, profissional e agente social, reunindo a minha práxis de indivíduo criado na periferia, à margem do estado de direito, ao conhecimento formal e acadêmico. Aprendi como se organiza o mundo a minha volta e a valorizar as diferentes expressões da arte popular e erudita, periférica e central, abrindo mão de uma hierarquização entre elas.
Hoje, tenho que juntar essas diferentes partes de mim e do mundo. Valorizando o conhecimento adquirido pela vida e pelo estudo, mas ampliar o conhecimento sobre mim mesmo. Construir um olhar sobre quem sou nesse turbilhão de emoções, para poder equilibrar estas partes do todo que sou, melhorando a relação com o mundo que me cerca. Entendendo e aceitando os processos que extrapolam a minha vontade e o meu poder de cidadão comum. Para então desfrutar da plenitude que acredito advir do equilíbrio.

Armando Gamboa

Foto: Egotrip Urbana: um panorama da minha relação com a cidade "maravilhosa". Vale a pena conferir.
http://fernandosaude.blogspot.com.br/        

sábado, 24 de novembro de 2012


Agora o Samba é Pop



Foto: Adenilson Machado


Esta entrevista tem o intuito de resgatar a memória recente do samba para tentarmos perceber a influência desta linguagem musical e estética, sobre a sociedade brasileira e, sobretudo, carioca.
Nossa entrevistada, Arly Marques é irmã de Arlindo Cruz e Acyr Marques, “comadre” de Zeca Pagodinho, Márcia Black e Marília, neta de Carlos Cachaça.

Fernando Saúde – Bom Arly! Você é uma espectadora privilegiada do mundo do samba carioca, e as transformações que este sofreu nos últimos 30 anos. Dentro deste contexto, você poderia nos dizer como era o movimento do samba nas décadas de 70 e 80 do século XX?

Arly Marques – Nessa época agente curtia assim...  O samba em geral, agente levava mais como brincadeira. Primeiro porque nós éramos bem mais novos e tudo... Então agente estava sempre se reunindo, sempre tinha uma reunião. E assim foi criada uma amizade. Agente tem vários amigos, conheci várias pessoas, muitas meninas, rapazes, chefes de família. Mas agente estava sempre junto. Fazendo nossas rodinhas de samba, participando dos pagodes, que agente ia muito... E agente ia mais pelo divertimento mesmo. Era diversão.

Fernando – Então era uma questão mais lúdica que profissional? Até porque eu acho que profissionalmente o mercado não absorvia.

Arly – Não. Quem vivia nesse mundo do samba tinha muita dificuldade nessa época, senão fossem os grandes nomes que já existiam, como Paulinho da Viola e outros, tinham muita dificuldade pra chegar junto no mercado. Era muito difícil.

Fernando - Como você vê a explosão do Arlindo Cruz, seu irmão, na última década? É um fato isolado ou faz parte de um movimento maior?

Arly – Eu sou até meio suspeita, mas eu acho que o fato do Arlindo, é um fato meio isolado, porque à medida que ele vem trabalhando, lutando, que ele vem sempre querendo muito. Porque ele sempre quis muito, ele sempre insistiu muito. Teve épocas de fazer show com casa vazia, ou só para o garçom, ou ainda para uma pessoa. Ele sempre insistiu. Acho que o caso dele é isolado porque ele sempre quis e persistiu. Até hoje ele corre muito atrás disso: dos sonhos. São sonhos que estão se realizando ao longo de muitos anos. Tem gente que até começa, passa um ano, passam dois, passam dez e desiste. Ele já está com trinta anos de carreira e hoje o público sabe quem é Arlindo, mas há dez, oito anos atrás, tem gente que não tinha nem ideia de quem era Arlindo.

ArLy Marques e Armando Gamboa
Foto: Rafael Silva



Fernando – Neste sentido agente pode considerá-lo como um dos precursores do movimento de revitalização e de revalorização do samba na década de 90? Porque a partir dele surgiu um monte de gente.  Na esteira do sucesso dele e de Zeca Pagodinho, aí é que vem uma galera. Apesar de já estar no mercado desde a década de 80, ele não tinha este espaço, ou seja, neste momento eu percebo que tinham poucos artistas que tinham projeção como Beth Carvalho, Fundo de Quintal – grupo que Arlindo integrava – Bezerra da Silva, Alcione, João Nogueira e Martinho da Vila. Era um grupo restrito que tinha um espaço muito demarcado. A partir da década 90 isso muda. É neste momento que o Arlindo surge com projeção no mercado fonográfico.

Arly - Com certeza! Até porque ele tem um ímpeto de facilitar, ele ama Zeca Pagodinho, Sombrinha. Não dizer, no geral, que ele tenha os preferidos, mas ele tem as pessoas com as quais trabalha sempre e está acostumado. Independente disso têm os laços de família que participam e estão mais próximos, e tem a rapaziada que vai chegando... Porque ele procura atender a todo mundo, ele procura atender a pessoas que mostram um bom trabalho. Porque às vezes o cara é um bom compositor, a pessoa chega com o trabalho, não tem a oportunidade de mostrar. Ou manda pra alguém que guarda na gaveta. Ele tem essa disponibilidade, até porque pra ele é... Quer dizer, ele está também absorvendo coisas diferentes. E muita gente se espelha no Arlindo. O cara quer tocar o banjo porque o Arlindo toca, acha legal o som do banjo, porque o Arlindo manda bem. Aí tem aquele incentivo de fazer igual ou parecido. E ele também lida muito com gente jovem, esses grupos novos que aparecem, e ele também tem um filho jovem envolvido com música.

Fernando – Ele inclusive vai gravar um samba do Mário Lago em parceria com o Arlindo e o Acyr.

Arly – Então essas coisas ficam bem marcadas. E ele é bem povão. Tem o Zeca (Pagodinho) que é um cara maravilhoso, mas já não tem mais aquela paciência... Se fecha mais um pouco. Ele até reclama com o Arlindo “Pô você canta pra caramba, fala com todo mundo... Eu não aguento mais isso”. Mas é que a pessoa está sufocada né. E o Arlindo tem essa paciência ele sempre foi muito tranquilo, O Zeca sempre foi muito elétrico, ele nunca para em lugar nenhum, você pensa que ele está aqui, ele já fugiu, deu a volta...

Fernando – Como no seu aniversário, que quando eu cheguei e ele não estava mais presente.

Arly – No casamento do Arlindo também. Quando nós saímos da igreja no cortejo, quando eu pisquei o Zeca já tinha sumido e ele era o meu par... Essas coisas assim. Então o Arlindo é um cara mais tranquilo.

Fernando – Hoje se fala muito desse movimento de revitalização ou revalorização do samba a partir da segunda metade da década de 90. Na sua avaliação, este movimento é real? E se o for, quais são os desdobramentos para os artistas e para o público?

Arly – Eu acho que ele é real sim. O que acontece, o samba sofreu muita discriminação, era muito marginalizado. Até as casas que hoje recebem os artistas de samba. Antigamente você cantava samba no botequim, cantava na escola de samba, na quadra da escola de samba. Hoje não. Hoje tem os “Halls” da vida até. Hoje você vê as pessoas que vão e não tem mais aquele medo. Havia muita marginalização, mas hoje outras classes estão se infiltrando. Temos amigos engenheiros, médicos, inclusive os meus médicos foram no show do Arlindo e todos acharam maravilhoso. “Poxa eu conhecia a música, mas não conhecia o cara, pô o cara é simples, é humilde.” Então é assim. Muito legal.

Fernando – Então foi muito positivo tanto para os artistas quanto para o público.

Arly  – Com certeza.

Fernando – Quer dizer... Você tem primeiro o surgimento de novos artistas, além, é claro, do aumento de publicidade de artistas que já estavam no mercado, como o Arlindo. E também o público, quer dizer, se antes era direcionando para um público específico, que era o negro da periferia. De repente agente vê esse público tornando-se mais diversificado, sendo integrado também por moradores da zona sul. Você acredita que o samba tem mais espaço no mercado fonográfico e na mídia em geral, hoje em dia?

Arly – Tem. Teve uma época que o samba esteve bem fraquinho, em termos de mercado. Mas agora ele está vindo com tudo. E tem coisas boas que não se pode negar. Tem muita gente que está aí na mídia, pessoas que estão chegando, saindo de alguns grupos como o Péricles.

Fernando - Hoje é o Dia Nacional da Consciência Negra, qual o papel do samba para a população de periferia – formada majoritariamente por negros -, e sua afirmação de cultura etnicamente marcada? Qual o papel do samba neste novo contexto das nossas relações, no debate étnico racial no Brasil?

Arly – Eu creio que o samba tá bem posicionado. Tá bem defendido, com novas parcerias com o funk, com o Marcelo (De Dois), com o Rogê com a bossa nova. Então o público gosta de samba, eles cantam. No baile funk ele canta os sambas da favela, faz show com Mister Catra. Muitos shows que agente fez com ele e a população gosta muito, aplaude. Eu acho que tem também um pouco do carisma da pessoa, a essência. Hoje existem pessoas que já dão certa importância, já vêm participar da festa de Zumbi. Comunicam-se, colocam no face outras formas de comunicação. Já estão valorizando realmente esta data.

Fernando – Você citou um fato que eu acho muito interessante sobre o trabalho do Arlindo, que é a ligação dele com outros ritmos, ele não está naquela coisa única do samba. Mas ele está articulado com cantores que produzem bossa nova, que produzem funk. Isto também é um diferencial no trabalho dele, porque dá uma diversificada. Ele faz o samba tradicional, de raiz, mas está o tempo todo articulado, linkado com artistas de outros estilos musicais. Eu acho que isso acaba enriquecendo o trabalho dele e popularizando mais, porque ele extrapola o universo do samba pra ser ouvido pelo público que gosta de funk, que gosta de bossa nova.

Arly – Inclusive esse último CD e DVD são chamados “Batuques do meu Lugar”, ele começa com batuques de várias regiões, aparecem os orixás, o maracatu. Ele canta com Alcione, logicamente com o Zeca, canta com Caetano Veloso. Foi uma loucura o Terreirão. Ele canta com Rogê, Seu Jorge. Ele passeia por outros ritmos, até porque ele tem um filho adolescente, que tá com ele, que gosta de MPB, tem os amigos do filho. Tá tudo nessa evolução e não deixa de ser um aprendizado, coisas novas né, enriquecendo. Ele diz que sendo bom ele tá dentro.

Fernando – Bom vamos encerrar esta entrevista agradecendo a você por nos receber na sua casa neste feriado. Pra mim, conversar com você é sempre um prazer enorme,  e foi um prazer revê-la.




segunda-feira, 15 de outubro de 2012


Quando o Verbo  é o Princípio






Após a leitura de O Grande Massacre dos Gatos, na fase adulta, meu olhar sobre fábulas e contos infantis nunca mais foi o mesmo. O pouco da inocência que existia neste adulto se perdeu. Darton elucida a origem dos contos de fadas: apropriação pela elite, de estórias sem poesia, romance, e lirismo que eram contadas pelos camponeses medievais aos seus filhos. Um choque que não me impediu de ler Chapeuzinho Vermelho para a minha sobrinha, que espero leia sozinha “O Eco da Girafa”. Esta obra associa o lirismo que a aristocracia europeia imprimiu a elaboração dos contos de fadas ao realismo fantástico das estórias dos camponeses medievais. Mas este não é o único mérito desta obra literária paradoxal e dicotômica. O primeiro paradoxo é a magia estar na tomada de consciência da razão.
Zarafat é uma heroína bela, sem espelho, inatingível – pelos predadores naturais – e mágica. Mágica como girafa, e cada vez mais sem poesia e magia no processo de humanização. Mas este processo imprime a esta personagem a capacidade de se comunicar com as nossas crianças e jovens, porque o advento da fala a torna humana, e consequentemente sujeita a emoções, como a saudade. Falar de sentimentos e emoções é fundamental numa sociedade onde a escola não se preocupa com esses “detalhes”. Lidar com os sentimentos faz parte do processo de evolução humana. Mas nascemos humanos e partem do pressuposto que a relação com as emoções está pré-estabelecida. Um erro sem tamanho...
O Eco é um manifesto que exige o respeito à diferença nas relações humanas e tem uma crítica à sociedade de consumo e ao mundo do trabalho. Nossa protagonista assemelha-se aos personagens buarquianos, de Os Saltimbancos, que partem em uma jornada em direção à cidade, e que ao final desta, têm contato com a sociedade humana e todas as suas idiossincrasias e desigualdades sociais. O autor tem a competência de construir uma fábula contemporânea que não tem apenas um ensinamento de caráter moral, mas vários. Toda a obra é rica de “não ditos”, como diria Certeau. E cada nova leitura nos apresenta uma novidade em termos de mensagem subliminar, intencional ou não. É uma obra para todas as idades que merece uma adaptação para o teatro.