Política
Habitacional e Meio Ambiente
Projeção |
O Rio de Janeiro entrou no século XX às voltas com sérios problemas
sociais. A crise de moradia agravada nas freguesias do centro, com a
proliferação de cortiços e casas de cômodos, superlotados e insalubres, aliada
aos deficientes serviços de saneamento básico, eram determinantes para a
erupção de violentas epidemias de febre amarela, varíola, cólera-morbo e outras
moléstias que faziam milhares de vítimas, elevando incrivelmente a taxa de
mortalidade nos anos em que eclodiam.
A essa altura as elites já haviam chegado a um
consenso no seu diagnóstico acerca da cidade: a solução para os sérios
problemas do Rio estaria assegurada pelo tripé saneamento / abertura de ruas /
embelezamento. Era preciso sanear a cidade, alargar ruas, arejar, ventilar e
iluminar melhor os prédios, implantar um modelo construtivo mais digno de uma
cidade-capital, o que pressupunha demolir as habitações que não obedecessem a
esses padrões de salubridade, e não saneá-las. Era a oportunidade que o poder
público, na figura do prefeito Pereira Passos, tinha para expulsar os pobres do
Centro da capital federal. Acredito que estes são os primeiros “sem-teto” que
“a modernização” e o saneamento da cidade geram. São esses pobres desalojados
que vão morar na “favela” no Morro da Providência onde já moravam os soldados
do Coronel Moreira César e do General Artur Oscar que vieram da Guerra de
Canudos, em 1897. Este período, que vai de 1903 a 1906, é conhecido
popularmente como bota abaixo. Neste sentido, “As favelas surgiram como moradas possíveis de homens e mulheres pobres em
uma ordem socioeconômica que se impôs ao processo de produção do espaço urbano
carioca” (Barbosa, pg. 34).
Durante
as décadas de 60 e 70 houve um processo de remoção de cerca de 140 mil pessoas
residentes em favelas, sobretudo nas da zona sul da cidade. Neste contexto
surgem conjuntos habitacionais na Cidade de Deus, Vila Kennedy e Vila Aliança (na
Zona Oeste) e Vila Esperança (Zona Norte). “Tal processo autoritário e violento
imposto às famílias residentes nas favelas, jamais escondeu o seu sentido de
‘limpeza’da paisagem e, sobretudo, o de apropriação por parte do mercado
imobiliário de terrenos localizados em áreas valorizadas da cidade” (Barbosa,
pg. 35). Parace-me que nessas décadas, mais uma vez houve política
governamental de expulsar as “populações perigosas” das regiões valorizadas da
cidade.
A partir da década de 90 é incorporado e fortalecido o discurso em defesa de
preservação do meio ambiente. De preferência as áreas preservadas no Centro e
Zona Sul. A Floresta da Tijuca torna-se a maior floresta em área urbana, como
se o Parque Estadual da Pedra Branca, que tem maiores dimensões, não estivesse
localizado no perímetro urbano.
E
assim chagamos ao século XXI com esta seleção arbitrária, que tem o reforço da
organização de grandes eventos na cidade como Copa do Mundo de 2014 e os jogos
Olímpicos de 2016. Mais uma vez, assim como no início de século XX a cidade
tranforma-se em grande canteiro de obras. Mais uma vez as áreas que recebem
essas obras estão concentradas no Centro e Zona Sul, à exceção da Barra da
Tijuca, que apesar de pertencer á Zona Oeste, virou a queridinha da especulação
imobiliária e dos investimentos da prefeitura. “ A discriminação tem um sentido
explícito dos lugares diferenciados da cidade e, evidentemente, da imagem que
os simboliza” (Barbosa pg. 37).
As
práticas da prefeitura na política pouco mudaram nesses últimos 100 anos. A
novidade são os argumentos. Hoje expulsa-se os favelados das regiões mais valorizadas
da cidade em “defesa” do meio ambiente. É o que vem acontecendo com os
moradores do Pico do Santa Marta, da região em torno do Jardim Botânico e horto,
e na Vila Autódromo.
Com
relação ao Santa Marta o que o Estado está utilizando para retirar aproximadamente
150 moradores daquele lugar é a afirmação de que: vivem em uma área de risco.
Por isso necessariamente tem que sair dali. No entanto, os moradores
contra-argumentam dizendo que: pelos critérios apresentados pelo técnico da
GEORio que esteve na favela no início de julho, “todo Santa Marta é uma área de
risco”. Então, se o perigo vem do alto do morro, ameaça a todos que estão
abaixo, logo, algo terá que ser feito para evitar possíveis catástrofes. De uma
forma ou de outra, o trabalho de contenção naquele local será feito.
No
Jardim Botânico e no Horto a questão está relacionada à delimitação da área que
pertencente ao parque. Serão removidas 621 residências, que teoricamente,
teriam invadido os limites do parque, ainda na década de 80. E na Vila
Autódromo o argumento é de que a área está localizada numa região que passará
uma via que está sendo construída para adequação da cidade para receber os
grandes eventos acima citados.
Até aí
nada de novo, não fosse o interesse da prefeitura em construir um resort e um
campo de golf no Parque Municipal da Prainha. Os ricos podem prejudicar o meio
ambiente para construir habitações, enquanto os pobres são obrigados a deixar
as suas casas em nome da preservação ambiental. Quando interessa defender o
meio ambiente? Onde estão e qual o posicionamento de órgãos públicos como o
Inea e o Ibama, com relação a esta proposta? Podemos destruir áreas de
preservação ambiental, desde que atenda aos interesses das grandes
construtoras, e dê lucro sabe-se lá pra quem mais? A sociedade civil precisa se
posicionar a respeito desta arbitrariedade.
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