sexta-feira, 7 de dezembro de 2012


Política Habitacional e Meio Ambiente


Projeção

O Rio de Janeiro entrou no século XX às voltas com sérios problemas sociais. A crise de moradia agravada nas freguesias do centro, com a proliferação de cortiços e casas de cômodos, superlotados e insalubres, aliada aos deficientes serviços de saneamento básico, eram determinantes para a erupção de violentas epidemias de febre amarela, varíola, cólera-morbo e outras moléstias que faziam milhares de vítimas, elevando incrivelmente a taxa de mortalidade nos anos em que eclodiam.
 A essa altura as elites já haviam chegado a um consenso no seu diagnóstico acerca da cidade: a solução para os sérios problemas do Rio estaria assegurada pelo tripé saneamento / abertura de ruas / embelezamento. Era preciso sanear a cidade, alargar ruas, arejar, ventilar e iluminar melhor os prédios, implantar um modelo construtivo mais digno de uma cidade-capital, o que pressupunha demolir as habitações que não obedecessem a esses padrões de salubridade, e não saneá-las. Era a oportunidade que o poder público, na figura do prefeito Pereira Passos, tinha para expulsar os pobres do Centro da capital federal. Acredito que estes são os primeiros “sem-teto” que “a modernização” e o saneamento da cidade geram. São esses pobres desalojados que vão morar na “favela” no Morro da Providência onde já moravam os soldados do Coronel Moreira César e do General Artur Oscar que vieram da Guerra de Canudos, em 1897. Este período, que vai de 1903 a 1906, é conhecido popularmente como bota abaixo. Neste sentido, “As favelas surgiram como moradas possíveis de homens e mulheres pobres em uma ordem socioeconômica que se impôs ao processo de produção do espaço urbano carioca” (Barbosa, pg. 34).
Durante as décadas de 60 e 70 houve um processo de remoção de cerca de 140 mil pessoas residentes em favelas, sobretudo nas da zona sul da cidade. Neste contexto surgem conjuntos habitacionais na Cidade de Deus, Vila Kennedy e Vila Aliança (na Zona Oeste) e Vila Esperança (Zona Norte). “Tal processo autoritário e violento imposto às famílias residentes nas favelas, jamais escondeu o seu sentido de ‘limpeza’da paisagem e, sobretudo, o de apropriação por parte do mercado imobiliário de terrenos localizados em áreas valorizadas da cidade” (Barbosa, pg. 35). Parace-me que nessas décadas, mais uma vez houve política governamental de expulsar as “populações perigosas” das regiões valorizadas da cidade.
A partir da década de 90 é incorporado e fortalecido o discurso em defesa de preservação do meio ambiente. De preferência as áreas preservadas no Centro e Zona Sul. A Floresta da Tijuca torna-se a maior floresta em área urbana, como se o Parque Estadual da Pedra Branca, que tem maiores dimensões, não estivesse localizado no perímetro urbano.
E assim chagamos ao século XXI com esta seleção arbitrária, que tem o reforço da organização de grandes eventos na cidade como Copa do Mundo de 2014 e os jogos Olímpicos de 2016. Mais uma vez, assim como no início de século XX a cidade tranforma-se em grande canteiro de obras. Mais uma vez as áreas que recebem essas obras estão concentradas no Centro e Zona Sul, à exceção da Barra da Tijuca, que apesar de pertencer á Zona Oeste, virou a queridinha da especulação imobiliária e dos investimentos da prefeitura. “ A discriminação tem um sentido explícito dos lugares diferenciados da cidade e, evidentemente, da imagem que os simboliza” (Barbosa pg. 37).
As práticas da prefeitura na política pouco mudaram nesses últimos 100 anos. A novidade são os argumentos. Hoje expulsa-se os favelados das regiões mais valorizadas da cidade em “defesa” do meio ambiente. É o que vem acontecendo com os moradores do Pico do Santa Marta, da região em torno do Jardim Botânico e horto, e na Vila Autódromo.
Com relação ao Santa Marta o que o Estado está utilizando para retirar aproximadamente 150 moradores daquele lugar é a afirmação de que: vivem em uma área de risco. Por isso necessariamente tem que sair dali. No entanto, os moradores contra-argumentam dizendo que: pelos critérios apresentados pelo técnico da GEORio que esteve na favela no início de julho, “todo Santa Marta é uma área de risco”. Então, se o perigo vem do alto do morro, ameaça a todos que estão abaixo, logo, algo terá que ser feito para evitar possíveis catástrofes. De uma forma ou de outra, o trabalho de contenção naquele local será feito.
No Jardim Botânico e no Horto a questão está relacionada à delimitação da área que pertencente ao parque. Serão removidas 621 residências, que teoricamente, teriam invadido os limites do parque, ainda na década de 80. E na Vila Autódromo o argumento é de que a área está localizada numa região que passará uma via que está sendo construída para adequação da cidade para receber os grandes eventos acima citados.
Até aí nada de novo, não fosse o interesse da prefeitura em construir um resort e um campo de golf no Parque Municipal da Prainha. Os ricos podem prejudicar o meio ambiente para construir habitações, enquanto os pobres são obrigados a deixar as suas casas em nome da preservação ambiental. Quando interessa defender o meio ambiente? Onde estão e qual o posicionamento de órgãos públicos como o Inea e o Ibama, com relação a esta proposta? Podemos destruir áreas de preservação ambiental, desde que atenda aos interesses das grandes construtoras, e dê lucro sabe-se lá pra quem mais? A sociedade civil precisa se posicionar a respeito desta arbitrariedade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário